Fundos de Investimento no Brasil: desafios e oportunidades
Prof. William Eid Junior e Prof. Ricardo Ratner Rochman - Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas/São Paulo
Um país que ambiciona crescer e se desenvolver deve investir na sua indústria de fundos de investimento, pois ela oferece canais alternativos de captação de recursos tanto para o setor privado quanto para o setor público. Esses recursos são empregados nos mais diversos tipos de investimentos – privados, infraestrutura, dentre outros – além de serem usados na gestão da política econômica, e para formação de poupança que o país tanto precisa para atingir suas metas futuras.
Os fundos de investimento propiciam de forma simples e transparente, principalmente no Brasil, um meio para os poupadores terem acesso a classes de ativos e estratégias de investimentos que dificilmente poderiam ser colocadas em prática por indivíduos, ou seja, por razão de custos e recursos monetários necessários, bem como por falta de conhecimento do mercado ou acesso a sistemas de informação e gestão. Desde o início do Plano Real, em junho de 1994, a indústria de fundos brasileira tem evoluído constantemente, não somente no âmbito de produtos e serviços oferecidos, mas também no aspecto regulatório com a Instrução nº 409 da CVM (ICVM 409) de 2004, que unificou a regulação dos fundos mútuos, antes dividida entre o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Em dezembro de 2014, passada uma década da Instrução nº 409, que, por sua vez, foi permeada pela crise de 2008, a CVM editou as Instruções nºs 554 e 555 que mudarão o perfil e as perspectivas da indústria de fundos brasileira de maneira positiva, criando um grande potencial de crescimento e desenvolvimento tanto para os gestores como, principalmente, para os poupadores e investidores nacionais e internacionais.
A Instrução nº 554 veio para aprimorar as definições de tipos de investidores aptos a aplicar seus recursos nos diversos fundos e veículos de investimentos, aumentando a transparência e acessibilidade aos atuais, e futuros, produtos que as empresas gestoras disponibilizam no mercado brasileiro.
Por sua vez, a Instrução nº 555 abriu novas oportunidades para o investidor brasileiro ao autorizar a criação dos novos fundos de investimento no exterior, que podem investir até 100% do seu patrimônio em ativos no exterior. Esses fundos são destinados aos investidores qualificados, isto é, os que têm um mínimo de R$ 1 milhão em investimentos financeiros. Um dos detalhes interessantes da Instrução nº 555 da CVM é que não há mais um piso mínimo para investimentos nos fundos no exterior. Bastará que o investidor seja qualificado para investir nessa categoria de fundos. Esses produtos deverão manter um mínimo de 67% do seu patrimônio em ativos no exterior.
Ainda em termos de internacionalização, a Instrução nº 555 da CVM alterou o limite de aplicação no exterior para os fundos em geral, que passa, no caso de varejo, de 10% para 20%, e, no caso de fundos direcionados a investidores qualificados, de 20% para 40%.
A criação desse tipo de produto traz uma série de novas possibilidades para os investidores. A principal delas é a mudança da chamada fronteira eficiente dos investimentos. Há mais de 40 anos, o professor Bruno Solnik, da HEC – École des Hautes Études Commerciales de Paris mostrou em seu artigo "Why not diversify internationally rather than domestically?" que a fronteira eficiente para investidores diversificados internacionalmente é mais eficiente, isto é, o investidor vai obter maiores retornos para o mesmo nível de volatilidade.
O gráfico ilustra esse resultado. Nele, pode-se observar que, do ponto de vista de um investidor latino americano (LA), que não investe na Bovespa, e cuja fronteira está mais à direita, há um enorme ganho de eficiência com a inserção na sua carteira de ativos brasileiros e dos mercados centrais (MC).
Para um nível de volatilidade de 10%, seu retorno original seria de 2,2%. Com a diversificação internacional, passaria a 8%. Esse efeito também será observado no contexto brasileiro, beneficiando o conjunto dos investidores. Assim sendo, as possibilidades e estratégias de diversificação só dependerão dos mercados e ativos em que os gestores decidirem embarcar no mundo, não estando mais restritos ao mercado doméstico. Lembrando que há grande correlação entre certos mercados no mundo, e que a diversificação ingênua, ou seja, realizada sem estudos técnicos profundos, levará a concentração e ao aumento do risco tomado pelo investidor, ao contrário do que ele gostaria que fosse proveniente da internacionalização.
Além disso, é possível criar uma via de mão dupla: com a maior presença dos gestores brasileiros nos mercados de investimentos internacionais, pode-se esperar a ampliação da participação dos investidores estrangeiros no nosso mercado de fundos. O mercado brasileiro de fundos tem características muito atraentes para esses investidores, dentre elas a transparência e a segurança. A divulgação diária das principais informações dos fundos, como cotas, cotistas e patrimônio, é característica única da indústria brasileira. Além disso, a existência de pelo menos três entidades no processo de administração de um fundo – gestor, administrador e custodiante dos ativos – garante um nível de segurança não encontrado em outros mercados.
No entanto, os gestores que resolverem aproveitar o mercado internacional deverão investir na sua estrutura operacional, pois serão necessários novos sistemas, assim como novas técnicas e metodologias de gestão de riscos, e treinamento e educação do seu pessoal serão essenciais para entender e lidar com os mercados e produtos internacionais, afinal os diferentes mercados possuem regras, padrões, linguagens, e horários diferentes, que mudarão a simples rotina de trabalho atual da gestão.
A comunicação e educação financeira dos investidores também deverão ser tratadas pelos gestores e distribuidores de fundos que investirem no exterior, pois novas classes de ativos e riscos desconhecidos até então dos investidores serão agregadas às carteiras dos fundos, como, por exemplo, ações de empresas chinesas, derivativos de juros indianos, real estate investment trusts (REIT) canadenses, títulos de renda fixa europeus abaixo do grau de investimento (junk bonds), exchange traded funds (ETF) australianos, cotas de fundos de private equity e hedge funds dos Estados Unidos, dentre outras inúmeras possibilidades.
Os fundos de previdência que tendem a continuar crescendo nas próximas décadas também se beneficiarão da internacionalização, pois os planos PGBL e VGBL poderão ter acesso a novos fundos de investimento com ativos de renda fixa e variável que antes estavam restritos ao mercado brasileiro, e limitados, por exemplo, ao humor do mercado nacional e a eventuais ondas de IPOs, como a que foi observada de 2004 a 2007.
Nos próximos anos, a economia brasileira passará por ajustes a fim de retomar o crescimento, ao mesmo tempo em que a economia internacional terminará sua fase crítica de acertos necessários em função da crise que começou em 2008. Por esses motivos, a edição das Instruções nºs 554 e 555, principalmente, não poderia vir em melhor momento para viabilizar novas oportunidades para a indústria de fundos dar um novo salto qualitativo e quantitativo, e começar uma nova história a partir de julho de 2015, quando a Instrução nº 555 começa a vigorar.