ANBIMA reforça agenda para enfrentar desafios da indústria de fundos
Robert J. van Dijk – Vice-presidente da ANBIMA
A indústria de fundos em 2014 alcançou mais de R$ 2,7 trilhões em patrimônio líquido, distribuídos em 14 mil fundos com 11,5 milhões de cotistas, colocando-se entre as sete maiores indústrias de gestão de recursos do mundo1. Desde o segundo semestre de 2013, porém, o segmento vem observando uma redução significativa da captação líquida quando comparada à média observada nos cinco anos anteriores, de R$ 92 bilhões entre 2009 e 2013.
Diversos fatores vêm concorrendo nesse sentido. A redução do crescimento econômico, em um cenário de alta de juros e do câmbio, com baixo desempenho do mercado acionário e forte volatilidade no segmento de renda fixa, além de afetar a riqueza disponível para a aplicação dos recursos por parte dos diferentes segmentos de investidores, tornou o comportamento do investidor brasileiro mais conservador, levando-o a buscar alternativas que combinem rentabilidade, liquidez e baixo risco.
Também houve aumento da oferta ao investidor de aplicações com isenção do Imposto de Renda, a exemplo das letras de crédito imobiliário e do agronegócio, que acabaram por exercer uma concorrência desproporcional sobre os fundos, essencialmente pelo benefício fiscal que oferecem. Adicionalmente, o ano foi de eleições e, portanto, marcado por expectativas diversas sobre o futuro governo, com reflexos diretos sobre o ambiente de negócios.
No âmbito externo, o desafio de promover a recuperação econômica e as atuações dos principais bancos centrais do mundo, em especial as conduzidas pelo FED (Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos), como o fim dos estímulos monetários por meio da recompra de títulos e a expectativa de subida de juros nos EUA, ampliou a volatilidade observada nos ativos financeiros. Tal fato exigiu dos gestores de fundos habilidade para efetuar os investimentos, buscando alcançar rentabilidades superiores aos respectivos benchmarks.
Destaque-se ainda, no período, o intenso e construtivo debate que envolveu reguladores e representantes de mercado em torno de importantes alterações regulatórias para a indústria de fundos, que resultaram na edição das Instruções nº 554 e nº 555 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), no final de 2014.
Rentabilidade da indústria no ano supera a de 2013
Mesmo diante de um cenário econômico adverso, quase todos os tipos de fundos classificados pela ANBIMA tiveram rentabilidade superior à observada em 2013. Entre os tipos com patrimônio líquido relevante, destaque-se o de Renda Fixa Índices, que, após as perdas apuradas um ano antes, apresentou retorno de 12,54%, favorecido pela variação anual de 12,36% do IMA-Geral e, mais especificamente, de 14,54% do IMA-B, referência bastante utilizada para esse tipo de fundo. Ainda no que se refere aos fundos com patrimônio líquido relevante, os Referenciados DI vieram logo em seguida, com 11% de alta, superando a média da taxa Selic no período, 10,93% ao ano.
Outro destaque no ano foram os fundos Multimercados, que operam com diferentes estratégias (alavancagem e hedge, por exemplo), e em diferentes mercados (renda fixa, variável, derivativos, moedas, entre outros) na busca por maiores retornos e/ou redução de riscos. Nessa categoria registraram-se as maiores rentabilidades entre os tipos classificados pela ANBIMA, caso do Multimercado Trading, com 14,53%, que busca ganhos originados por movimentos de curto prazo nos preços dos ativos.
Já os fundos de ações voltaram a apresentar desempenho abaixo dos demais tipos da indústria e, independente da estratégia, todos os tipos ficaram no campo negativo em 2014. De fato, é o segmento de investimento que vem sendo mais afetado em termos de rentabilidade nos últimos dois anos, com o Ibovespa acumulando perda de 18,41% nesse período, dentre outras razões, pelo fraco desempenho da atividade econômica e por alguns problemas específicos em corporações com forte participação na bolsa.
Captação líquida da indústria é a mais baixa nos últimos cinco anos
Apesar das rentabilidades positivas de grande parte dos fundos em 2014, a captação líquida no ano alcançou pouco mais de R$ 5 bilhões, o que representa apenas 5,4% da média anual observada após 2008, ano em que a indústria registrou resgates líquidos em função da crise global. A queda da captação teve início no segundo semestre de 2013, com a trajetória de alta da taxa Selic e a maior volatilidade nos mercados, o que causou perdas em alguns fundos, afastando os investidores. Os maiores resgates líquidos em 2014 foram registradas nos tipos Renda Fixa, R$ 38,7 bilhões, e Multimercados, R$ 28 bilhões.
Em sentido contrário, as categorias Referenciados DI e Previdência se destacaram com captações líquidas de R$ 45,3 bilhões e R$ 32,3 bilhões, respectivamente. O volume captado pelos fundos Referenciados DI foi o maior da série histórica, iniciada em 2002, e atraiu os recursos dos investidores que buscaram menor risco e maior liquidez em aplicações com perfil de juros de curto prazo. Destaque-se, nesse movimento, o comportamento do investidor de varejo, que teve captação líquida de R$ 36,2 bilhões em 2014, com os recursos majoritariamente aplicados nos fundos Referenciados DI, interrompendo 11 anos contínuos de queda na participação desses investidores no PL da indústria. Já a captação líquida da categoria Previdência retomou o padrão apresentado até o primeiro semestre de 2013, quando o aumento da volatilidade nas aplicações de renda fixa, combinado com mudanças regulatórias nas regras para a composição dessas carteiras, geraram perdas e afastaram temporariamente os investidores das aplicações nessa categoria.
De fato, recuperar o padrão mais alto de captação líquida observada na indústria é um dos principais desafios da gestão de recursos no país que, diante do ambiente macroeconômico desfavorável, se depara com um investidor cada vez mais avesso a volatilidade. E isso em um cenário em que a indústria de fundos enfrenta assimetrias regulatórias e tributárias em relação a outros ativos financeiros.
Avanços regulatórios e agenda ANBIMA
Após um período de debates com o mercado financeiro, a CVM editou ao final de 2014 as Instruções nº554 e nº 555, que trouxeram, dentre outros avanços, atualizações às formas de divulgação de informações por parte dos fundos de investimento, em conexão com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, alterando também alguns limites para aplicação em determinados ativos e mercados, e redefinindo os conceitos de investidores.
Com vigência a partir de 1º de julho de 2015, as normas devem aumentar a eficiência da indústria, reduzindo os custos e aumentando a transparência das informações ao público. Nesse sentido, a CVM propôs racionalizar a classificação de fundos a partir da redução de sete para quatro classes, que podem ser acrescidas de diversos sufixos.
Em linha com a CVM, a ANBIMA também empreendeu esforços para atualizar a sua classificação de fundos, propondo três níveis de estrutura. O primeiro nível reflete a classe de ativos, o segundo, tipos de gestão e riscos, enquanto o terceiro, as principais estratégias, seguindo a lógica do processo de investimento. A nova classificação, que considera as práticas e estruturas da indústria local, bem como os modelos internacionais de explicitação dos riscos, será lançada em 1º de julho de 2015, mesma data prevista para a entrada em vigor dos normativos da CVM. De fato, boa parte das medidas tratadas nesses normativos integra a agenda estratégica elaborada pela ANBIMA para a indústria de fundos de investimento no Brasil2, que tem como objetivo ampliar sua competitividade, tendo em vista seu importante papel no desenvolvimento do mercado de capitais e no financiamento de longo prazo no país.
Notas:
1. De acordo com dados do ICI – Investment Company Institute, de 02/04/2015, referentes a dezembro.
2. Texto para Discussão nº03, divulgado pela ANBIMA em 12/12/2014.