No mundo das Finanças Descentralizadas

Se há uma coisa em que o mundo do DeFi (Finanças Descentralizadas) é pródigo, além dos acrônimos, são os memes. Este acima, que ilustra o texto, foi postado no Twitter por Matt Huang, ex-Sequoia Capital e atual cofundador do Paradigm, um fundo de venture capital dedicado ao mercado cripto que, no final do ano passado, levantou US$ 2,5 bilhões para investir no segmento.
Finanças Descentralizadas podem ser complicadas de explicar, mas é fundamental entender, especialmente se você está no mercado financeiro e de capitais. Porque estamos falando de um processo “de mão dupla”, já que a criptoeconomia está mudando os mecanismos tradicionais mas, ao mesmo tempo, avançando para se encontrar com as CeFi (Finanças Centralizadas).
E qual o tamanho dessa revolução? Em fevereiro de 2020, o valor total bloqueado (Total Value Locked - TVL) em todas as redes DeFi chegou pela primeira vez a US$ 1 bilhão. Em fevereiro de 2022 estava em US$ 205 bilhões (segundo o DeFi Llama).
O conceito de DeFi remete à construção de um novo sistema financeiro nativo da internet, baseado em software, no qual uma infinidade de transações financeiras acontece sem intermediários ou mecanismos reguladores tradicionais usando redes blockchain descentralizadas e criptografadas, contratos inteligentes (Smart Contracts) e tokens (stablecoins, altcoins etc.) para transacionar, certificar, custodiar e assegurar direitos de propriedade e origem.
DeFi é um guarda-chuva que expande o uso de blockchain da simples transferência de valor entre duas pessoas até casos de uso financeiro mais complexos feitos de forma descentralizada. A maioria dos aplicativos DeFi são construídos sobre Ethereum, a segunda maior plataforma de criptomoedas do mundo. No site da Ethereum você encontra uma área completa sobre Finanças Descentralizadas.
São quatro as promessas das DeFi que as tornam tão atraentes para além da especulação dos criptoativos:
- Sem papel: transações acontecem em blockchain e Smart Contracts;
- Sem intermediários: o processo automatizado tira do caminho intermediários humanos;
- Acelerada: os processos digitais tornam a transação, do começo ao fim, muito mais rápida, segura, sem barreiras geopolíticas;
- Inclusiva: com DeFi, investimentos que estariam acessíveis apenas a grandes investidores ou grupos financeiros podem entrar na carteira de um pequeno investidor ou de pessoas físicas.
É seguro dizer que, como estamos vendo uma revolução digital em plena construção, iniciada lá em 2018, mesmo quem está envolvido em DeFi desde o começo está longe de se declarar especialista. Há riscos - como a queda desta semana, que ceifou US$ 1 trilhão em valor de criptomoedas e cortou à metade o TVL da DeFi - e há imperfeições (bugs) na programação dos algoritmos, que abrem janelas para hackers.
Mas é um caminho inevitável, aposta o economista canadense Campbell Harvey, professor de finanças na Fuqua School of Business (Universidade Duke) e coautor do livro “DeFi and the Future of Finance”. “Há uma revolução contínua nas finanças, uma reconstrução completa de baixo para cima. Estamos vendo nesse momento o esqueleto da fundação de uma nova cidade e ele equivale ainda a menos de 1% desta transformação histórica. Você quer fazer parte ou quer correr o risco de ser varrido por ela?”
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Para o seu radar
- Festival de acrônimos: de DAO e DEX, a HODL, Wagmi e Wagbi, o mundo DeFi é pródigo em siglas. Três dicionários interessantes que vale a pena ter na mão: 1- DeFi Encyclopedia; 2- The Web3 Glossary; e 3- Crypto Dictionary.
- A Glassnode, uma plataforma de inteligência de mercado sobre movimentações cripto tem uma série de estudos sobre DeFi. Vale olhar.
- Para acompanhar o movimento do dinheiro em DeFi, siga a Llama.
- Um livro imperdível para quem quer entender a fundo a economia descentralizada, desde a tecnologia até riscos e regulação: “DeFi and the Future of Finance”, do professor Campbell Harvey
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Traçando a rota da mudança
Temas emergentes, em qualquer setor, precisam ser entendidos, decifrados, e o conhecimento resultante desse trabalho precisa circular, de forma a ampliar as oportunidades das empresas daquele setor, de aproveitar as mudanças e evoluir no mercado local e internacional.
Na ANBIMA, finanças descentralizadas estão nessa categoria, fazendo parte do planejamento estratégico da Associação para 2022. O projeto é tocado pelo Grupo Consultivo de Inovação. “O escopo do projeto é amplo, não se limitando ao que se conhece como DeFi, mas aos mais diversos usos da tecnologia DLT (Distributed Ledger Technologies) nos mercados financeiro e de capitais ”, explica Eduardo Cury, analista especialista responsável pelo grupo.
“Há uma percepção muito clara de que muito se fala e pouco se conhece a respeito das tecnologias de DLT (Distributed Ledger Technologies) e blockchain no mercado de capitais”, diz Cury. “O objetivo portanto será a construção e disseminação de conhecimento, a partir de uma ampla ouvidoria com nossos associados, com as empresas que já nasceram nesse mercado (insurgentes), com as infraestruturas de mercado mais consolidadas, com as novas que estão surgindo e também com os reguladores”.
A ideia é identificar as percepções sobre oportunidades, impactos, modelos de negócio e potenciais entraves regulatórios para criar uma agenda de atuação da ANBIMA de curto, médio e longo prazo, que seja pró-desenvolvimento de mercado. “Que perceba essas novas oportunidades e atue em favor delas”.
“Esse trabalho vem lá de 2018, quando paramos para entender blockchain no mercado de capitais e vimos que, mais do que as criptomoedas, era importante identificar os usos potenciais da tecnologia no nosso mercado tradicional, como a tokenização de títulos e valores mobiliários vai impactar o mercado, e as atividades que vão surgir desses novos instrumentos financeiros”, explica Eduardo Cury.
Veja abaixo mais detalhes sobre o projeto:
- A discussão sobre finanças descentralizadas está separada em dois grupos: os novos instrumentos e seus ecossistemas, e os instrumentos financeiros tradicionais com uma nova roupagem, com profundas alterações nas atividades desempenhadas hoje pelos agentes de mercado.
- A questão regulatória é importante porque ela não pode impedir ou atrasar o desenvolvimento de mercado por conta de uma assimetria. A ausência de regulação impede empresas consolidadas (incumbentes) de entrar no mercado, enquanto os insurgentes avançam.
- As instituições incumbentes que estão mais à frente no mundo estão acelerando muito mais por parcerias com insurgentes do que por desenvolvimento próprio. Por isso um dos objetivos é disseminar o mapeamento dos produtos e serviços disponíveis para novas parcerias.
- O desafio tecnológico já foi uma grande questão, mas lá em 2018. O que está aparecendo muito nas conversas com o mercado, especialmente com os insurgentes, é que há ausência de mão de obra qualificada. E esse é um problema global.
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Para o seu radar
- Em 2019, a ANBIMA publicou um paper para esclarecer os conceitos, usos e responsabilidades associados a criptoativos. Você pode fazer o download aqui.
- O relatório Tech Trends Report 2022, do Future Today Institute, coordenado por Amy Webb, tem um relatório só dedicado a blockchain e descentralização, com definições, cenários e tendências.
- DeFi é uma revolução em evolução, que traz confusões e dúvidas semelhantes às do surgimento da internet, em 1991, lembra Shermin Voshmgir, economista, diretora do Research Institute for Crypto Economics na Vienna University of Economics.