Do hype à realidade, as tendências tecnológicas para o mercado financeiro

Chegou aquela época em que as consultorias começam a liberar suas previsões sobre as tendências tecnológicas para o próximo ano. A IA e a IA Generativa ocupam bastante espaço nos relatórios, sinalizando que a tecnologia deixa de ser "excitação e ruído" para realmente entrar no fluxo de adoção no mercado corporativo, com a criação de aplicações específicas.
Dá para confiar nas previsões de tendências? Dá, desde que se olhe para todos os elementos do contexto, e não apenas para a tecnologia como um "objeto brilhante e atraente". Diante disso, duas perguntas são essenciais: o que ela agrega de valor para o negócio e para os clientes?; qual o custo de entrada e de adesão para a empresa e para os clientes?. Ambas as questões exigem que haja compreensão mínima sobre a tecnologia e seu tempo de maturação, bem como sobre a estratégia de futuro focada no cliente.
Tome como exemplo o metaverso, que em dois anos foi "do céu ao inferno". A ideia de que as pessoas passariam seu tempo imersas em um mundo digital criado por Mark Zuckerberg, CEO da Meta, utilizando óculos de realidade virtual, remetia para um tempo de maturação mínimo de dez anos. O acesso a essa tecnologia exigia do consumidor investimento em uma peça de hardware de alto custo, e era dependente da evolução de outras tendências, como a Web3, por exemplo.
Diante desse cenário, o metaverso "popular" foi atropelado pela IA Generativa, mas o uso da Realidade Estendida (XR) com aplicações na educação, medicina, manufatura, arquitetura, engenharia e games, por exemplo, continua relevante e avançando. Para saber mais sobre o futuro dessas tecnologias, vale ler as ponderações do analista da S&P Global Market Intelligence, Ian Hughes.
Separando o ruído da música
Mas como identificar o hype e o que realmente importa? Alguns relatórios, como o Hype Cycle, do Gartner, apresentam uma visão de curto (-2 anos), médio (2 a 5 anos), e longo prazos (5 a 10 anos e +10 anos) sobre a evolução das tecnologias emergentes. Para isso, trazem uma representação gráfica da maturidade e adoção de tecnologias, e como elas são potencialmente relevantes para resolver problemas reais de negócios e explorar novas oportunidades.
Vale aqui uma explicação: no Hype Cycle, o Gartner acompanha as tecnologias em cinco fases - na subida, quando aparecem e começam a gerar agitação; no topo, quando estão no máximo das expectativas inflacionadas; no vale, quando o hype dá lugar à desilusão por conta de experimentações que não deram muito certo; na rampa de confirmação, quando os usos se cristalizam; e, finalmente, no platô de produtividade, em uso pleno.
Em 2023, Gartner publicou pela primeira vez um Hype Cycle específico para finanças (gráfico abaixo), destacando as tendências em aplicações e tecnologias que estão no radar das empresas do mercado e que deveriam estar no radar dos gestores também. Importante lembrar que esses estudos são publicados sempre no meio do ano e têm validade para os 12 meses seguintes.

Quais são os destaques?
Para os próximos dois a cinco anos:
- Governança de IA: políticas, atribuição de direitos de decisão e garantia de responsabilização organizacional pelos riscos e pelas decisões de investimento e utilização de técnicas de inteligência artificial. A governança da IA estabelece a responsabilidade da IA. Ela afeta a reputação e confiança na empresa e endereça as exigências das regulamentações globais que visam diretamente a IA.
Impacto: organizacional.
Maturidade: alta.
- Aplicações inteligentes: aplicações aumentadas com IA e dados conectados, obtidos de transações e fontes externas, para gerar um sistema que fornece recursos, experiências e processos contextualizados, e pode aprender, melhorar e se adaptar continuamente. Uma nova geração de software inteligente para lidar com a complexidade dos dados e a volatilidade constante dos negócios.
Impacto: transformacional.
Maturidade: alta.
- Hiperautomação em finanças: um passo em direção às finanças autônomas, que vincula uma série de processos manuais e semiautomáticos a um fluxo de trabalho totalmente automatizado. As organizações financeiras estão testando a hiperautomação para suporte a decisões complexas, melhoria da resiliência e da eficiência e agilidade dos processos financeiros.
Impacto: automação.
Maturidade: alta.
Para os próximos cinco a dez anos:
- Gêmeo digital em finanças: um gêmeo digital é uma representação virtual de uma entidade real, que pode ser uma fábrica, um processo ou uma organização, que coleta dados em tempo real e permite testar hipóteses com dados sintéticos e criar cenários antes de aplicá-las no negócio. Nas finanças, inclui apoio à decisão de alocação de capital, avaliação e gestão de riscos, análise de cenários de carteiras de ativos para melhoria de desempenho e confiabilidade.
Impacto: transformacional.
Maturidade: emergente.
- Detecção de anomalias e erros: aproveita a IA e o machine learning para identificar erros, enganos ou atividades incomuns, bem como violações de políticas internas, regras de conformidade e padrões contábeis. Novas regras, regulamentos e políticas contábeis tornam a conformidade desafiadora e aumentam as chances de violações críticas. Neste contexto, essa tecnologia pode ser uma garantia de que as demonstrações financeiras publicadas são precisas de forma consistente e confiável.
Impacto: organizacional, alto.
Maturidade: emergente.
- IA explicável em finanças: também chamada de XAI, é um conjunto de capacidades que descreve como um modelo algorítmico determina seu resultado. No mundo financeiro, a XAI dá visibilidade sobre como um modelo de IA chegou a uma decisão específica. Isto ajuda a criar confiança e compreensão sobre os resultados impulsionados pela IA, especialmente para clientes e reguladores.
Impacto: transformacional.
Maturidade: emergente.

Outras visões para 2024
Os organizadores do Collins Dictionary elegeram a IA como a Palavra do Ano (WOTY) de 2023. Pode parecer hype, mas não é. Embora a IA Generativa e LLMs (Large Language Models, ou Grandes Modelos de Linguagem) sejam as palavras mais populares em tecnologia no momento, é importante ter em mente que a IA não é um fenômeno novo. É fruto de uma longa, gradual e contínua evolução. A expectativa unânime das consultorias é que, até 2030, 70% das tomadas de decisão nos negócios sejam habilitadas por IA.
Muitas empresas, além da Open AI, estão construindo novos modelos e os compradores continuam descobrindo qual deles funciona melhor para sua organização. Mas já estão dispostas a gastar milhões em algumas soluções, segundo Deepashri Varadharajan, diretora do CB Insights.
Abaixo, separamos seis relatórios com previsões para 2024, produzidos por consultorias, grupos de especialistas e empresas especializadas no mercado financeiro. Há um fio condutor ligando todos: se 2023 foi o ano do surgimento da IA Generativa, 2024 será o ano de correr para capturar o valor que a tecnologia pode agregar a todos os negócios. Seguem os destaques de cada um deles:
- 2024 será o ano da desconstrução, segundo o estudo “Accenture Life Trends”, produzido pela Accenture Song, divisão da consultoria dedicada à experiência do consumidor. O equilíbrio entre os benefícios da tecnologia e os novos objetivos pessoais marcarão nosso lado profissional em 2024, mas as empresas terão que refazer rápido suas estratégias, porque deixaram a experiência do consumidor de lado e ele já percebeu.
- A IA será a tecnologia mais importante em 2024, segundo 65% dos especialistas entrevistados para o estudo global "The Impact of Technology in 2024 and Beyond”, produzido pelo IEEE (Institute of Electrical Electronics Engineers). Em segundo lugar vêm as tecnologias de realidade estendida (XR) para o metaverso, seguidas de 5G, Cloud Computing e veículos elétricos (EVs).
- O investimento em IA é prioritário, mas vai precisar ser feito com toda a atenção aos problemas éticos e à regulação da tecnologia, aponta o estudo “CEO Outlook 2023″, da KPMG, que ouviu 1,3 mil líderes globais. Outro foco importante para o próximo ano são os riscos para a segurança cibernética, que podem tanto aumentar com a IA quanto serem combatidos por ela.
- O hype inicial da IA Generativa está diminuindo e, segundo o relatório “Predictions 2024”, da Forrester, 60% dos céticos sobre a tecnologia vão adotá-la no próximo ano. O relatório inclui o crescimento do uso do Big Data e analytics; uso intensivo de agentes de IA para apoiar o trabalho humano; mais tecnologias para proteger privacidade e aumentar a confiança dos clientes, e novas tecnologias de CX (customer experience).
- O relatório "Top Strategic Technology Trends 2024", do Gartner,destaca, além da IA, itens interessantes como o aumento do investimento em cibersegurança e um novo papel para os gestores de segurança corporativa (CISOs) devido ao crescimento das vulnerabilidades e regulações globais; o aumento das máquinas como clientes diretos das empresas; e a população de robôs inteligentes superando a força de trabalho humana nas fábricas.
- O diretor financeiro da Facctum, empresa indiana especializada em soluções corporativas data-driven, Sai Vithal Valluri, listou no seu blog The Fiscal Visionary as dez tendências mais importantes de tecnologia que os investidores precisam ficar de olho. Na lista, Valluri inclui não só a IA, como também o predomínio dos meios de pagamento digital; o imperativo das tecnologias de cibersegurança; o crescimento das ferramentas de gestão financeira pessoal e educação financeira; a regulação da criptoeconomia; e a ampliação das DeFi (Finanças Descentralizadas).
Para o seu radar
- Da boca do CEO: Em seu discurso de abertura da Ignite 2021, evento anual de tecnologia da Microsoft, o CEO e presidente da companhia, Satya Nadella, dá uma aula sobre como pensar o futuro. Na época, Nadella já falava da parceria com a OpenAI. "Estamos passando de uma era móvel e de nuvem para uma era de computação ubíqua com inteligência ambiente, que terá mais digitalização nos próximos 10 anos do que nos últimos 40".
- Para ponderar: As consultorias nem sempre acertam, escreve a diretora de pesquisas da Forrester Research, Sharyn Leaver, no texto em que avalia os acertos e erros das previsões de 2023. Mas é preciso ficar de olho no longo prazo, porque geralmente os analistas estão sinalizando movimentos e tendências em evolução, afirma em outro texto avaliando a performance da consultoria nos últimos 40 anos.