Deep techs e os "investimentos pacientes"

Foto: LeoWolfert - Getty Images Pro no Canva
No cruzamento entre ciência e tecnologia está o cerne das deep techs, startups focadas em áreas como computação quântica, biotecnologia, nanotecnologia, robótica, inteligência artificial, energias limpas e renováveis e captura de carbono. Em 2024, elas serão fundamentais para criar as tecnologias que vão materializar a economia net zero, como aponta a UNCC (United Nations Climate Change).
A definição de deep tech foi criada em 2013 pela engenheira indiana Swati Chaturvedi, CEO da plataforma de investimentos Propel(x). Em um artigo publicado em 2015, ela sinalizava a tendência que ganha mais relevância nesta década: as deep techs miram a solução de problemas críticos e de magnitude global. Daí também serem conhecidas como Frontier Techs, representando um mercado estimado em US$ 9,5 trilhões para 2030, segundo a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Elas exploram a sinergia entre tecnologias digitais consolidadas, como inteligência artificial e computação em nuvem, e tecnologias físicas emergentes, como biologia sintética e materiais avançados, para causar grandes impactos sociais, tecnológicos e econômicos em áreas como clima, alimentos, saúde, medicina e manufatura avançada.
Há dez anos, o aporte de capital de risco em deep techs representava 10% do total de dinheiro captado por startups globalmente. Desde 2019, consistentemente, apesar da queda geral dos aportes em startups, os investimentos em deep techs têm representado 20% de todo o dinheiro investido globalmente, aponta o novo relatório do BCG sobre o setor e suas oportunidades. Na Europa, o setor, que inclui as climate techs, captou 41% do total de investimento de risco, segundo o relatório State of European Tech. A expectativa para 2024 é de crescimento desse ritmo
Diferentes das startups SaaS (software as a service), as deep techs exigem um “dinheiro paciente”. O retorno demora em média entre 25% e 40% mais que as startups tradicionais, no período entre o capital semente e a Série D. O investimento, no entanto, é atraente para venture capital e private equity, segundo o estudo do BCG, pois gera uma taxa média de retorno de 26% (contra 21% das startups convencionais). No gráfico abaixo, é possível distinguir as taxas médias internas de retorno (IRR) identificadas pelo BCG a partir da análise dos dados de 1.100 fundos de risco nos últimos cinco anos.

Segundo previsões do BCG, esse mercado deve atrair entre R$ 695 bilhões e R$ 993 bilhões em investimentos até 2025. Os investidores estão fazendo apostas maiores. O tamanho do aporte médio aumentou significativamente nos últimos anos, com muitos investimentos atingindo US$ 100 milhões ou mais.
Onde estão as deep techs?
As áreas de atuação das deep techs foram organizadas pelo BCG sob quatro grandes guarda-chuvas:
- Clima e sustentabilidade: aqui entram mobilidade e logística; energia e clima; agro e novos alimentos; e plataformas físicas cross industry (biorreatores, nanotecnologia, semicondutores e novos materiais). Nessa categoria, há dois grandes sucessos latino-americanos: a chilena NotCo(comida plant-based criada por IA) e a argentina Bioceres (cultivo resiliente), cada qual avaliada em mais de US$ 500 milhões.
- Demografia e longevidade: deep techs de saúde e bem-estar. Descoberta de novas drogas, dispositivos vestíveis de monitoramento, diagnósticos por IA, robôs médicos e biologia sintética. Um exemplo brasileiro é a BioLinker, fundada por Mona Oliveira, que faz síntese de proteínas em laboratório usando tecnologia de biologia sintética.
- Tecnologia: cibersegurança, DeFi, legal techs, plataformas digitais cross-industry (IA generativa e plataformas cognitivas), tecnologias quânticas.
- Segurança ambiental: espacial (nanosatélites, monitoramento via satélite, comunicações por satélite, manufatura em gravidade zero) e defesa (segurança aeroespacial, previsão e prevenção ao crime). Um exemplo é a argentina Satellogic (satélites de alta resolução para monitoramento terrestre).
Grande potencial na América Latina
O estudo Deep Tech: The New Wave, divulgado em julho pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), avalia que a América Latina vive um 'Big Bang' de inovação. O relatório aponta crescimento relevante no setor, com os investimentos aumentando 44 vezes entre 2020 e 2022. Há, segundo o BID, 65 fundos de venture capital e aceleradoras locais e internacionais investindo em deep techs na América Latina e Caribe.
Prevê-se que, na próxima década, os investimentos nessa região aumentarão 20 vezes. Baseando-se nos números de 2022, que somaram US$ 172 milhões em aportes financeiros para deep techs, estamos falando da perspectiva de um salto para US$ 3,44 bilhões em recursos destinados a startups na intersecção entre ciência e tecnologia.
O BID identifica 14 países como focos de interesse para investidores. Argentina (30%), Brasil (30%) e Chile (19%) lideram, abrigando a maioria das deep techs. México e Colômbia devem ganhar mais destaque nos próximos anos, mas o Brasil se destaca pelo seu enorme potencial de crescimento, concentrando 77% dos 871 mil pesquisadores, 58% das patentes da região e 39% dos investimentos.
O estudo mapeou 340 deep techs na ALC (América Latina e Caribe), que já arrecadaram US$ 2 bilhões em investimento de risco, contribuindo com um valor agregado de US$ 8 bilhões ao ecossistema. A maioria dessas empresas (61%) é de biotechs, seguidas por startups de inteligência artificial (11%).
Segundo o BID, as deep techs podem funcionar como um efeito turbo para a ALC superar o aquecimento global, o aumento do endividamento e o envelhecimento, porque “expandem radicalmente as fronteiras do desenvolvimento“.
A soma das características únicas da biodiversidade da região, com capital humano científico disponível, nos colocam em uma situação vantajosa, no momento que o mundo discute como acelerar para uma economia de baixo carbono. Acrescente a isso o fato de que uma das características importantes das deep techs é já nascer com impacto global potencial.
Para o seu radar:
Sinais de fumaça no horizonte…