Consulta da IOSCO sobre regulação transfronteiriça identifica ferramentas disponíveis nas jurisdições
Mercados SecundáriosDerivativos de Balcão
A força tarefa sobre regulação transfronteiriça da IOSCO publicou, em 25/11/14, o aguardado relatório consultivo sobre o tema, que elenca as chamadas ferramentas regulatórias passíveis de utilização pelas jurisdições para mitigar os problemas de falta de harmonização das regras e seus efeitos transfronteiriços em nível global.
Segundo a IOSCO, seriam três as ferramentas a serem levadas em consideração no momento de definição das regras de cada regulador: tratamento nacional, reconhecimento e passaporte. A primeira, tratamento nacional, contempla situações nas quais instituições internacionais que operem em território doméstico obtêm o mesmo tratamento das firmas nacionais. Isto é, para operar em jurisdições que utilizam tal ferramenta, instituições provenientes do exteriorque já realizem ou não atividades naquele local necessitam de registro e conformação com a legislação doméstica vigente.
Já a segunda ferramenta, reconhecimento, tem como objetivo proporcionar um maior tipo de coordenação entre legislações diferentes. Por meio desta ferramenta, reguladores domésticos podem reconhecer, plena ou parcialmente, regulações de outro país como tão boas quanto a local ou suficientes para atingir um mesmo objetivo regulatório, de modo a isentar instituições estrangeiras de adequarem-se às normas domésticas. Este reconhecimento pode ser tanto unilateral quanto mútuo, distinguindo-se pela unilateralidade ou não dos arranjos em questão.
Por fim, o passaporte constitui a terceira ferramenta. Definido como arranjos de normas comuns às jurisdições, tais passaportes permitem que determinados produtos ou provedores de serviços circulem livremente em um conjunto de países. Por requererem elevado nível de cooperação entre as legislações envolvidas, exemplos de passaporte são escassos, atualmente restritos aos casos europeu, canadense e, mais recentemente, à distribuição de fundos na Ásia – ver Radar ANBIMA nº 11.
O destaque dado a estas três ferramentas como possibilidades regulatórias traz consigo um elemento importante: os reguladores devem, sempre, reconhecer que as regras definidas domesticamente podem ter impactos além das fronteiras de sua jurisdição. Contudo, estas ferramentas não são capazes de oferecer um maior esclarecimento, ou uma saída, aos impasses já impostos pelas regras que foram definidas no pós-crise, especialmente, no caso do mercado de derivativos. Outros exemplos foram também observados nos casos da reforma dos regimes de resolução bancária e da regulamentação dos benchmarks. O documento da IOSCO identificou as ferramentas existentes, que são adotadas caso a caso, mas não chega a tratar, por exemplo, da racionalização das diferentes abordagens das jurisdições para o reconhecimento de contrapartes centrais ou outros problemas específicos da falta de harmonização.
O documento também discute o papel da IOSCO na promoção da harmonização regulatória. O Relatório questiona se a Organização deveria ter um papel na resolução de disputas e maior força normativa, mas observa que atualmente sua orientação é atuar como um fórum de discussões e de formulação de recomendações e princípios comuns. Esta conclusão é relevante, pois sinaliza que, embora relevante, o papel da entidade está sujeito a limitações relativamente à efetiva harmonização global da regulação.
O Brasil, neste contexto, é um caso interessante. A fragmentação no mercado de derivativos de balcão é uma realidade, ilustrada, por exemplo, pelo fato de diversas instituições brasileiras limitarem a expansão de seus negócios com contrapartes americanas, ou simplesmente suspenderem estas relações, para evitar ultrapassar os limiares de registro como swap dealers junto à CFTC. Outra área de preocupação diz respeito à classificação da BM&FBovespa como contraparte central qualificada na Europa, para fins da EMIR e da CRD IV. Muito embora o arcabouço regulatório brasileiro esteja em conformidade com os Princípios para Infraestruturas de Mercado da dupla IOSCO-CPMI – inclusive com um grau maior de aderência aos padrões internacionais comparativamente ao arcabouço europeu –, a demora na análise de equivalência pela ESMA e na determinação da EC não garante, definitivamente, esta qualificação.
Neste sentido, a questão mais relevante no caso brasileiro diz respeito menos à implementação harmonizada das reformas, que já se encontram amplamente adotadas no arcabouço regulatório nacional, e mais à falta de priorização do país nas discussões com as autoridades europeias e americanas. Claramente tal situação não é produto da inação das autoridades ou dos participantes do mercado brasileiros, mas à falta da instituição de mecanismos de coordenação mais efetivos em âmbito internacional.
Situações como a do Brasil evidenciam que as ferramentas utilizadas nas diferentes jurisdições ainda constituem uma resposta insuficiente para as questões transfronteiriças trazidas pelas reformas em curso em diversos países e regiões. Assim, embora acordadas em nível internacional, as reformas são marcadas por reduzida coordenação, com impactos adversos sobre a resiliência dos mercados transfronteiriços e sobre os investidores internacionais. A consulta da IOSCO se encerra em 23/02/14 e o relatório final sobre o tema deve ser publicado até o final de 2015.