Avança o receituário para tratar emissões e prestadores de serviços relacionados a criptoativos
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Desde 2022, o trabalho da Força Tarefa de Fintech (FTF) da IOSCO se divide em duas linhas: em torno de Finanças Descentralizadas (Decentralized Finance ou DeFi) e o receituário voltado para ativos digitais e criptoativos (Cripto and Digital Assets ou CDA). Em maio último, a entidade publicou a consulta referente a essa segunda linha de trabalho, propondo 18 recomendações para orientar a regulação de operações e prestadores de serviços desse ecossistema – ver quadro.
A consulta incorporou lições trazidas de eventos recentes ocorridos no segmento, inclusive a quebra da FTX. Com isso, o receituário proposto utiliza aprendizados de experiências vivenciadas em múltiplas jurisdições procurando sugerir formas de assegurar a identificação e mitigação de conflitos de interesse, a clareza quanto às condições contratuais e de negociação, a prevenção a situações de fraude ou abuso de mercado, além da cooperação transfronteiriça.
Em linha com o mandato de reguladores de mercado de capitais, o documento propõe recomendações de políticas regulatórias para mitigar riscos desses ativos relacionados à proteção aos investidores, à integridade de mercado e aos comportamentos inadequados verificados no segmento. De outro lado, a consulta adota a visão comum a outros standards setters de “mesmas atividades, mesmos riscos, mesmos resultados regulatórios”. Com isso, as recomendações partem da aplicação dos padrões de regulação da IOSCO em uma abordagem por atividades e considerando o “ciclo de vida” dos ativos, e procuram observar:
- (i) as diferenças nos arcabouços regulatórios (visto que os prestadores de serviços podem estar atuando sem atender devidamente a requerimentos regulatórios aplicáveis a cada atividade)
(ii) flexibilidade para aplicar as regras atendendo às recomendações em diversas jurisdições com vistas a alcançar os resultados esperados e a permitir cooperação entre reguladores
A abordagem escolhida pela IOSCO permitiu a identificação de seis (6) áreas chave para a organização do receituário proposto:
- Conflitos de interesses suscitados por estruturas de integração vertical de atividades e funções.
- Manipulação de mercado, insider trading e fraude;
- Custódia e proteção dos ativos de clientes;
- Riscos transfronteiriços e cooperação regulatória;
- Riscos operacionais e tecnológicos e
- Acesso do varejo, suitability e distribuição:
Nessas áreas chave, as recomendações trazem soluções semelhantes, por exemplo, para os conflitos derivados do acúmulo de funções decorrente da verticalização, por meio da exigência de registros distintos para a execução de papeis diferentes, como ocorre nas atividades tradicionais. Ao mesmo tempo, trazem requerimentos específicos para situações novas trazidas pelos modelos descentralizados de negociações e especificidades da custódia dos criptoativos.
Um dos primeiros marcos regulatórios voltados para esse ecossistema, a MiCA – Market in CriptoAssets teve sua versão final aprovada para publicação pelo Conselho Europeu também em maio. O arcabouço vigente na União Europeia é um dos pioneiros – além do Japão e Canadá – e refere-se aos criptoativos que não sejam instrumentos financeiros já regulados. A norma dispõe sobre as emissões e admissão à negociação dos criptoativos; regras diferenciadas para aqueles referenciados em outros ativos (asset referenced tokens ou ART) e seus emissores; o registro de prestadores de serviços (CASP) junto às autoridades competentes e transparência e proteção aos investidores, incluindo medidas que coíbem a manipulação de mercado, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
A MiCA utiliza a abordagem por atividade semelhante à IOSCO, mas para além de questões do mercado de capitais, também delimita o escopo do novo arcabouço, excluindo ativos já regulados e estabelecendo outras exclusões – por exemplo, para o e-money. Também define as situações em que prestadores de serviços ou emissões podem ser relevantes para fins de requerimentos específicos, abrindo espaço para a visão prudencial do ecossistema. Em janeiro, o BIS já havia mapeado as opções de tratamento de criptoativos considerando as diversas autoridades envolvidas, relacionando escolhas no sentido de banir ativos ou atividades específicas, isolar relativamente aos ativos/atividades tradicionais e/ou regular de forma semelhante aos tradicionais.
A norma da União Europeia deverá ganhar regulamentações complementares a serem editadas ainda esse ano. Avanços em regras, supervisão, enforcement ou orientações devem se multiplicar no decorrer desse ano, especialmente após a publicação do Relatório Final da IOSCO, previsto para o final do ano. Em breve, a entidade também publicará sua consulta quanto a recomendações para DeFi.