Relatórios de sustentabilidade desafiam empresas e reguladores
O reconhecimento da relevância dos relatórios de sustentabilidade tem impulsionado a demanda por mais transparência nas informações das empresas. Ao mesmo tempo, a regulação evolui rapidamente, o que traz novos desafios e implica em esforços para acompanhar a tendência de padronização das informações sobre sustentabilidade das companhias.
Esse é o cenário identificado na 12ª edição da pesquisa anual Reporting Matters 2024, realizada pelo WBCSD (World Business Council for Sustainable Development). A partir das informações de 181 relatórios corporativos, o levantamento mapeia como as empresas estão lidando, em escala global, com maiores expectativas em relatórios de sustentabilidade.
O vice-presidente de engajamento empresarial do WBCSD, John Revess, afirma que o
ritmo de mudança no cenário de relatórios de sustentabilidade não tem precedentes e tem levado as empresas a repensarem suas estratégias e estruturas para atender a essas novas demandas. Confira no vídeo (em inglês).
Adotados cada vez mais como um mecanismo essencial usado pelos mercados de capitais para orientar a tomada de decisões dos investidores, o cenário atual dos relatórios de sustentabilidade foi analisado nos grupos de trabalho da Trilha de Finanças do G20, cuja reunião de cúpula ocorreu em novembro, no Rio de Janeiro. O principal desafio está na padronização das informações, de forma que os relatórios de sustentabilidade sejam consistentes e comparáveis em todas as jurisdições.
Capacitar é preciso
Segundo o levantamento, 56 jurisdições decidiram adotar ou estão implementando total ou parcialmente os padrões ISSB (International Sustainability Standards Board) para relato de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade e ao clima (dispostos na IFRS S1 e S2). O Brasil foi o primeiro país a aderir oficialmente ao novo padrão global, por meio da Resolução 193 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que será obrigatória para as empresas nacionais a partir de 2027 (divulgação dos relatórios de 2026).
Em análise conjunta, apresentada na última reunião do G20, sobre a evolução recente da implementação de padrões para informações de sustentabilidade, o Banco Mundial, a Iosco (Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários) e a IFRS (International Financial Reporting Standards) alertaram que é preciso investir em capacitação sistemática em larga escala em todos os grupos de partes interessadas, desde agentes públicos e reguladores até emissores, provedores de garantias e usuários dessas informações.
O alerta baseia-se em pesquisas como a que foi conduzida pela Iosco com 41 países que integram o GEMC (Comitê de Mercados Emergentes e em Crescimento). No levantamento, os países apontaram uma série de desafios para adoção dos padrões ISSB, destacando incerteza regulatória, dados, custos e conhecimento como as principais dificuldades do mercado para cumprir com os atuais requisitos de divulgação de sustentabilidade/ESG.
Para orientar a jornada em direção a informações globalmente comparáveis para os mercados de capitais, a IFRS publicou um Guia jurisdicional para adoção e outros usos dos padrões ISSB. Também faz parte do esforço para promover a adesão aos padrões ISSB a criação pela Iosco, em dezembro, de uma rede de apoio às necessidades de economias em desenvolvimento e emergentes, bem como às necessidades de entidades menores.
No Brasil, foi criado o CBPS (Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade) com objetivo de acompanhar a implementação das normas do padrão ISSB e também garantir a adequação das empresas às exigências de divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. A ANBIMA participa das reuniões do CBPS como entidade convidada.
O comitê elabora documentos técnicos para dar suporte às normas adotadas pelas entidades reguladoras brasileiras, em linha com os padrões ISSB. O Pronunciamento Técnico CBPS 01, divulgado no final de outubro, traz os requisitos gerais para divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, enquanto o CBPS 02 faz o mesmo em relação a informações financeiras ligadas ao clima, especificamente.
Em novembro, a ANBIMA reuniu gestores de recursos para discutir a incorporação dos padrões da IFRS S2 à Resolução CVM 193, que vale para companhias abertas, fundos de investimento e securitizadoras. Parte da Jornada de Descarbonização da entidade, o debate sobre o relato climático teve a participação de especialistas do Climate Finance Hub Brasil, ICS (Instituto Clima e Sociedade), GFANZ-Brasil, CVM e CBPS.
Desafios para PMEs e EMDEs em cadeias globais
Os requisitos de relatórios de sustentabilidade de grandes corporações impactam diretamente as PMEs (Pequenas e Médias Empresas) que fazem parte das cadeias globais de suprimentos. Por isso, a avaliação do Banco Mundial, da Iosco e do IFRS é que será preciso entender melhor essas interações e considerar como auxiliar as PMEs em sua própria jornada, de maneira adequada ao seu modelo operacional.
De acordo com estudo desenvolvido pelo ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pelo iCS e apresentado no G20, os desafios de PMEs e EMDEs (Mercados Emergentes e Economias em Desenvolvimento) para atender à crescente demanda por relatórios de sustentabilidade passa por padronizações proporcionais e potencializar tecnologias digitais.
As recomendações são:
- Adoção de padrões simplificados e flexíveis para as PMEs a fim de garantir proporcionalidade e evitar custos desnecessários;
- Capacitação de PMEs e EMEDs para a elaboração de relatórios de sustentabilidade, incluindo apoio internacional para o compartilhamento de conhecimentos;
- Uso da tecnologia para reduzir custos na geração de dados para relatórios de sustentabilidade;
- Uso da tecnologia para aumentar o valor dos dados dos relatórios de sustentabilidade;
- Melhora do ecossistema de serviços de relatórios de sustentabilidade.
Tendências nos relatórios
A pesquisa Reporting Matters 2024 identificou que cada vez mais relatórios fazem referência a estruturas e padrões relacionados à natureza. Houve aumentos significativos na aceitação da TNFD (Força-Tarefa para Divulgações Financeiras relacionadas à Natureza), que mais que dobrou neste ano (52%) em comparação a 2023 (22%), e também da SBTN (Science Based Targets Network), que subiu de 14% no ano passado para 30% em 2024.
Entre as tendências globais mapeadas pela pesquisa, chama atenção a aceleração nos processos de dupla materialidade neste ano em relação a 2023. A mudança é reflexo da importância cada vez maior atribuída aos impactos financeiros e não financeiros das empresas na sociedade e no meio ambiente. Além disso, o levantamento aponta que mais empresas estão vinculando a remuneração de executivos ao desempenho de sustentabilidade e adotando a publicação autodeclarada de relatórios integrados.
Principais tendências globais nos relatórios de sustentabilidade
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Considera impacto das ações da empresa sobre as pessoas e o planeta, e como ela é impactada pelo ambiente externo
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Governança da sustentabilidade
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Estabelece remuneração de executivos vinculada ao desempenho de sustentabilidade
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Publicação de relatórios financeiros e de sustentabilidade autodeclarados como integrados
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Inclui revisão da precisão e qualidade do relatório de sustentabilidade por auditor terceirizado
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Mercado regulado de carbono também avança no Brasil
Em meio à COP29, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que institui o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa). O novo sistema impõe limites aos maiores emissores e coordenará um ambiente regulado de negociação de títulos que representam as permissões de emissão e de compensações de gases do efeito estufa. Esse ativos foram classificados como valores mobiliários.
O SBCE manterá um inventário nacional de emissões, que conta com um teto de emissões permitidas que deve diminuir anualmente, aumentando progressivamente o preço do carbono, e impulsionando a descarbonização da economia.
O texto aprovado, porém, reflete mais a urgência do tema do que a regulamentação desejada. A lei define os limites de emissão de GEE (Gases de Efeito Estufa) de acordo com a contribuição para o aquecimento global, mas não esclarece se se referem a grupos econômicos ou instalações individuais. Com previsão de operação até 2030, o SBCE ainda deverá passar pela regulamentação das estruturas, definições técnicas e detalhamento de regras.
"A lei representa um grande avanço para a pauta de sustentabilidade no país, e o mercado de capitais terá um papel relevante neste processo", explica Eric Altafim, diretor da ANBIMA. “O Brasil poderá dialogar com o mercado internacional ligado ao Acordo de Paris, e buscar as oportunidades de nosso potencial na agenda de compensações de carbono”, complementa Altafim.
Ao Reset, o coordenador-geral de finanças sustentáveis do Ministério da Fazenda, José Pedro Bastos Neves, disse que o mercado regulado de carbono no Brasil é estimado entre quatro mil e cinco mil fontes emissoras e cobriria cerca de 15% das emissões de GEE do país atualmente.