COP16: Entre avanços importantes e impasses significativos
O encerramento da 16ª Conferência das Partes sobre Diversidade Biológica, realizada em Cali, na Colômbia, teve de tudo um pouco: negociadores fazendo hora extra para fechar acordos; aplausos pela criação de um novo mecanismo global de compartilhamento dos benefícios com recursos genéticos; e lágrimaspelo reconhecimento do papel-chave de povos indígenas e comunidades tradicionais na proteção da biodiversidade, decisão sem precedentes na história dos acordos ambientais multilaterais.
A importância desses avanços não foi suficiente para diminuir o impacto do impasse na pauta central das 170 delegações reunidas em Cali. Após 12 dias de negociações, não houve acordo sobre como implementar e financiar o GBF (Marco Global de Biodiversidade), adotado há dois anos, e em como medir o progresso no cumprimento das metas previstas.
Para parar a degradação da natureza e começar a cuidar dela de fato, o GBF estabeleceu 23 metas de biodiversidade que os países têm de cumprir até 2030. O prazo curto reflete a urgência de enfrentar a perda de biodiversidade e o colapso de ecossistemas, apontados como o terceiro maior risco global na próxima década e reconhecidos na COP16 como estreitamente relacionados com as mudanças climáticas.
Que COP é essa?
Entenda mais sobre a COP da biodiversidade e qual o impacto dela para o mercado de capitais. Confira a cartilha
Descompasso entre metas, planos de ação e financiamento
As metas nacionais de biodiversidade foram apresentadas na COP 16 pela maioria dos 196 países que assinaram a CDB (Convenção para Diversidade Biológica) em 1992, mas somente 44 deles definiram políticas e planos de ação para alcançá-las.
A questão é que as políticas nacionais estão intrinsecamente relacionadas ao seu financiamento. Como não houve acordo sobre os recursos públicos que serão destinados ao Fundo do Marco Global para a Biodiversidade, também se criou um descompasso nas discussões sobre como os países cumprirão suas metas de biodiversidade.
Em Cali, oito novos doadores de nações desenvolvidas se comprometeram a desembolsar US$ 163 milhões para o GBF. Com US$ 400 milhões em doações em um ano, o fundo ainda está distante dos US$ 20 bilhões anuais que as economias desenvolvidas se comprometeram a aportar até 2025. Para o IISD (International Institute for Sustainable Development), está claro que os países em desenvolvimento precisarão de maior suporte financeiro para buscar metas nacionais alinhadas ao acordo global.
Na conferência, a ministra Marina Silva defendeu uma reforma na governança dos mecanismos multilaterais de financiamento para equilibrar as necessidades das nações megadiversas e em desenvolvimento. “Já ficamos 32 anos discutindo. Agora só há um caminho: criar meios ágeis, transparentes, com fluxos financeiros constantes e na quantidade adequada para a implementação do que necessitamos fazer”, disse a ministra brasileira do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
O que está em jogo na discussão da Meta 15
Um dos temas de maior relevância para o mercado de capitais foi debatido pela Coalizão de Ministros de Finanças pelo Clima tanto em Cali quanto em Washington (DC) na semana anterior à COP16: a exigência de divulgação de riscos e impactos relacionados à natureza por empresas e instituições financeiras, prevista na Meta 15 do Marco Global da Biodiversidade.
A Meta 15 convoca os governos a introduzir requisitos específicos até 2030 para relatórios corporativos de dependências, impactos e riscos relacionados à natureza.
Por enquanto, três padrões com melhores práticas estão sobre a mesa para apoiar a criação de regras sobre o tema: o CSRD Europeu (determina avaliação de riscos e impactos sobre a natureza, incluindo riscos à biodiversidade), o ISSB (que, por enquanto, tem foco em sustentabilidade e em clima) e a TNFD, sigla para a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza.
A TNFD é uma iniciativa liderada pelo mercado, baseada na ciência e apoiada pelos governos, por isso as recomendações dela nasceram alinhadas ao Marco Global da Biodiversidade, o que atrai um número cada vez maior de empresas. Desde janeiro de 2024, houve um aumento de 57% no número de adesões voluntárias de empresas e instituições financeiras que vão começar a relatar o impacto de suas atividades sobre as pessoas e o meio ambiente.
A expectativa é que esse tipo de parâmetro entre para a regulação em um futuro próximo, assim como foi feito em relação ao reporte sobre o clima.
No Brasil, a definição de parâmetros para a divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade e ao clima pelas empresas foi sistematizada pela CVM em outubro de 2023. Com a Resolução 193, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a adotar o padrão global ISSB para divulgações financeiras sobre esses temas.
"Já temos um calendário definido de quando as empresas precisam estar adequadas ao padrão de informações sobre o clima e com certeza esses frameworks virão para biodiversidade. Hoje já existe a TNFD e há quem diga que é um caminho natural que ele se torne regulado o mais breve possível", afirma Cacá Takahashi, diretor da ANBIMA e coordenador da Rede ANBIMA de Sustentabilidade
Pontos mais importantes da COP16 para o mercado de capitais
- Criação do Fundo Cali para compartilhamento dos benefícios de DSI (Informações de Sequências Digitais): o acordo prevê que grandes empresas que se beneficiam comercialmente dos usos de DSI devem contribuir com 0,1% de suas receitas ou 1% de seus lucros para um fundo global; por enquanto, a adesão é voluntária;
- Criação de grupo de trabalho com ministros da Economia e Meio Ambiente para ajudar a implementar a meta de financiamento de biodiversidade de US$ 20 bilhões por ano até 2025 e atuar na reforma do sistema financeiro internacional;
- Apoio de diversos países à iniciativa brasileira de criar o TFFF (Tropical Forests Finance Facility): Colômbia, Malásia, Indonésia, República Democrática do Congo e Gana. O fundo pretende levantar US$ 125 bilhões para as seis nações com florestas tropicais por meio do reinvestimento de empréstimos de longo prazo de seis países desenvolvidos: Noruega, EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Suécia;
- Lançamento dos princípios para mercados de biodiversidade pelo Painel Consultivo Internacional sobre Créditos de Biodiversidade, com apoio da França e Reino Unido. O material tem orientações para incentivar o desenvolvimento de créditos de biodiversidade e mercados de crédito de alta integridade.