A IA que você (des)conhece já vale US$ 9 trilhões

Imagem: Canva
Quem acompanha o mercado de IA e IA Generativa a partir dos "humores" das bolsas norte-americanas percebe a ansiedade crescente, entre analistas do mercado de capitais e investidores institucionais, de que o hype em torno do assunto se transforme em uma bolha.
O temor é amplificado pelo fato de que 40% do valor do índice de referência S&P 500 está concentrado nas empresas de tecnologia da informação e telecomunicações (gráfico a seguir). “Em grande medida, a tecnologia está impactando todos os setores da economia em todas as esferas da vida", pondera Terry Sandven, estrategista-chefe de ações da US Bank Asset Management, em um artigo recente da US Wealth Management sobre a dinâmica das ações de tecnologia e seu impacto no mercado de capitais.

Mas será que é correto comparar o momento da IA em 2024 com a bolha "ponto.com" do início dos anos 2000, como temem alguns analistas? Rob Haworth, diretor sênior de estratégia de investimento da US Bank Asset Management, entende que não. “As avaliações de ações de tecnologia estão altas, mas se apoiam em lucros reais e crescimento esperado da receita”, diz ele. “O ambiente de hoje contrasta com períodos históricos anteriores, em que bolhas de preços se desenvolveram, sem o apoio de lucros subjacentes.”
Um mercado diferente
No começo de outubro, o fundo inglês de venture capital, Air Street Capital, divulgou um dos mais importantes e aguardados relatórios do setor, o State of AI Report 202, publicado anualmente desde 2018. A edição de 2024 é a maior historicamente, com mais de 200 páginas. Os dados mostram a IA alcançando um novo nível de maturidade e aplicabilidade em vários setores, enquanto enfrenta desafios críticos relacionados à regulamentação, segurança e sustentabilidade econômica.
A capilaridade e disseminação da IA em um período curto realmente faz dela um mercado que precisa ser olhado com uma lente diferente, garante o investidor inglês Nathan Benaich, fundador da Air Street Capital. "Até agora, a IA se espalhou por tantos setores, áreas de pesquisa e empresas diferentes que é difícil imaginar que tipo de choque 'poderia' fazer tudo desabar", escreve.
"O relatório deste ano nos deixou mais otimistas do que nunca sobre 2025", diz Benaich. O mercado dá sinais de consolidação, por conta da escala de uso da tecnologia e do aumento da confiança das empresas tradicionais nas startups de IA. "Haverá, é claro, fracassos retumbantes, quedas e pessimismo. Mas não se pode esquecer que isso é uma regra no mercado de startups. A maioria das empresas apoiadas por capital de risco não é bem-sucedida e isso vale para todos os setores", diz o investidor.
Benaich, 36 anos, é considerado uma "figura rara" no mundo do Venture Capital e um dos cinco investidores de IA mais respeitados na Europa. Há seis anos, quando a IA parecia uma fantasia de ficção científica, ele teve que fazer muito esforço para captar dinheiro para seu primeiro fundo de investimento em startups de IA, no valor de US$ 26 milhões.
Agora, além de um segundo fundo com seis vezes mais dinheiro, a Air Capital acumula saídas em um portfólio invejável, com unicórnios como a Graphcore, fabricante de chips de IA comprada pelo SoftBank em junho, e a Stability AI, criadora da plataforma de geração de imagens Stable Diffusion, que tem no board o cineasta James Cameron.
Destaques do relatório
- O valor somado das empresas globais de IA atingiu US$ 9 trilhões, segundo Benaich. Essa cifra inclui empresas públicas supervalorizadas, como a Nvidia (market cap de US$ 3,4 trilhões), mas também um largo espectro de startups privadas de IA apoiadas por investidores de risco.
- Implementar soluções baseadas em IA está começando a ficar muito mais atraente. O custo de usar um modelo de IA já treinado caiu muito por conta da concorrência e da habilidade dos cientistas de criar modelos de linguagem menores. O valor das saídas do GPT-4 da OpenAI hoje é 100 vezes menor por token (o que equivale a 1,5 palavras) do que era para o GPT-4 em março de 2023. O Gemini 1.5 Pro do Google custa 76% menos por token do que quando foi lançado em fevereiro de 2024.
- A distância tecnológica da OpenAI sobre as concorrentes em IA generativa diminuiu bastante. O Claude 3.5 Sonnet da Anthropic, o Gemini 1.5 do Google, o Grok 2 da X e até mesmo o modelo de código aberto Llama 3.1 405 B da Meta igualaram, ou superaram por pouco em alguns benchmarks, o GPT-4o da OpenAI. No entanto, o lançamento do modelo Strawberry, da OpenAI, mostra que a empresa liderada por Sam Altman não deve ser subestimada. A receita comercial da OpenAI este ano deve chegar a US$ 3,7 bilhões. Isso equivale a multiplicar a receita 168 vezes em dois anos (em 2022 ela gerou US$ 28 milhões).
- Startups de IA conseguem escalar suas receitas mais rápido do que as startups SaaS (softwares as a service) tradicionais: US$ 30 milhões em receita anual em 20 meses em média, em comparação com 65 meses nas startups de software mais tradicionais.
- As empresas de IA fundadas desde 2020 estão atingindo US$ 1 milhão em receita em cinco meses em média, em comparação com 15 meses para startups de SaaS.
- Os produtos GenAI estão melhorando significativamente as taxas de retenção de clientes e faturando mais a cada trimestre. Os melhores desempenhos incluem as empresas norte-americanas OpenAI, Midjourney, Anthropic e Otter, bem como os players europeus Grammarly e ElevenLabs.
- O encontro dos LLMs (grandes modelos de linguagem) com a robótica está criando uma espécie de renascimento para o setor. Gigantes da tecnologia estão alavancando LLMs para tornar os robôs mais rápidos, inteligentes e econômicos, e preparados para uso em diferentes setores.
- A IA está impulsionando avanços significativos em áreas como biotecnologia, neurociência e genômica, facilitando a pesquisa multimodal e abrindo novas oportunidades para descobertas científicas e acelerando a chegada de produtos comerciais ao mercado.
Benaich diz que os analistas financeiros e detratores da IA cometem "um erro clássico" ao ignorar a substância do trabalho que está saindo dos laboratórios de pesquisa corporativos e acadêmicos para focar nos pontos frágeis do mercado privado, que são comuns a todos os setores, ao falar sobre bolha. "As tecnologias de 'bolha' do passado tinham pouca receita para mostrar e meios limitados de alcançá-la. Elas não estavam sendo usadas por 62% das empresas da lista Fortune 500 como a IA está agora", argumenta.
Talvez a maior validação até agora para o modelo científico que a IA traz para o mundo real seja a notícia de que vários grandes nomes no mundo da pesquisa fundamental em IA ganharam o Prêmio Nobel de 2024: o de Química para Demis Hassabis e John Jumper, cientistas da Google DeepMind; e o de Física para os cientistas da computação John Hopfield e Geoffrey Hinton.
Para o seu radar