Crowdfunding entra na pauta dos reguladores
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Emprestar ou reunir recursos do público para o financiamento de projetos e atividades econômicas são atividades corriqueiras. Elas estão na origem dos mercados financeiro e de capitais tradicionais, que hoje constituem uma complexa e profunda rede de relações financeiras, formalmente estabelecidas e amparadas por arcabouços regulatórios dedicados.
Desde o início dos anos 2000, a utilização da Internet para a promoção de financiamentos começou a se difundir e, mais recentemente, com o desenvolvimento das redes sociais, as tentativas de angariar recursos passaram a atingir um público cada vez maior e mais fragmentado. Nesse contexto surgiu o fenômeno chamado crowdfunding.
O crowdfunding conecta diretamente, por meio da Internet e das mídias sociais, as pessoas que podem doar, emprestar ou investir dinheiro com aquelas que dele necessitam para financiar um projeto ou negócio que desejam realizar. Porém, há quatro características específicas dessa forma de financiamento: os projetos e negócios são financiados através de (i) pequenas contribuições de um grande número de indivíduos, que juntos, (ii) de forma anônima, formam massa crítica para viabilizá-los; os “encontros” entre demandantes e ofertantes de recursos são comumente realizados (iii) através de plataformas on-line e as relações (iv) não contam com o formalismocaracterístico das relações financeiras tradicionais.
Mais de US$ 2,5 bilhões foram levantados através de plataformas de crowdfunding em 2012 e a expectativa é que este valor dobre e alcance cerca de US$ 5 bilhões em 2013 – o salto é ainda mais significativo quando comparado a 2010, quando o valor obtido foi US$ 0,9 bilhão. Portanto, o crescimento exponencial do crowdfunding ocorre na contramão dos mercados tradicionais, que convivem, desde a crise, com uma situação de relativa escassez na oferta de recursos, especialmente para agentes de menor representatividade econômica, como empreendedores individuais e pequenas empresas – sobretudo, na Europa.
A destinação desses recursos e a motivação por trás dos financiamentos coletivos são diversas: por exemplo, campanhas que visam viabilizar o lançamento de discos musicais ou constituam um pagamento antecipado por um produto que será desenvolvido. Todavia, algumas formas se assemelham a atividades de intermediação financeira ou são substitutas quase-perfeitas de instrumentos financeiros tradicionais, como os empréstimos aos pares (peer-to-peer lending) e a troca de participações nos projetos ou negócios (equity crowdfunding) – o anexo discute em detalhe as diferentes formas e as características de cada uma delas.
Nesses casos, a semelhança com o financiamento tradicional faz com que as operações apresentem riscos similares, salvo em função da escala reduzida dos valores envolvidos. Com isso, se, por um lado, o crowdfunding pode se tornar uma fonte alternativa de acesso a recursos para pequenos empreendedores e empresas, por outro, pode implicar uma série de riscos relevantes aos usuários das plataformas. Em particular, os riscos de fraude, muito comuns no ambiente da Internet, mas também riscos ligados à segurança dos sistemas e à resiliência das plataformas. Além disso, é importante garantir que os contribuidores entendam o risco das operações que estão realizando, o que implica a promoção do alinhamento das informações entre as partes envolvidas, pelo que surge a necessidade de aumentar a divulgação de informações e a transparência, como regras de proteção ao consumidor.
Com a difusão do crowdfunding e a constatação dos riscos que implica, os reguladores ao redor do mundo começaram a dedicar atenção ao tema e considerar a possibilidade de desenvolver regras dedicadas a este tipo de financiamento. Uma primeira tentativa de cumprir esta tarefa consta na Lei de Incentivos a Negócios Nascentes (JOBS Act) americana, publicada em 2012, que exige o registro das plataformas e define alguns limites quantitativos. Sua implantação depende de regulamentação complementar, cuja proposta foi disponibilizada para consulta pública pela SEC em 23/10/13, e também é atribuído um papel para a autorregulação, como ilustrado pela consulta aberta pela FINRA sobre regras para os portais/plataformas de crowdfunding.
Na Europa, alguns países (Itália, Alemanha, Reino Unido e França) propuseram/adotaram regulações relacionadas ao tema – classificação das atividades de crowdfunding, regras para plataformas, etc. –, mas a principal questão diz respeito ao possível alinhamento dos requerimentos em nível continental. Nesse intuito, a Comissão Europeia busca definir quais requerimentos seriam necessários para a efetiva regulação dessa atividade e realizou uma consulta durante o 4º trimestre de 2013.
Os desenvolvimentos recentes indicam, portanto, que ao longo de 2014 o crowdfunding deverá integrar a pauta das discussões regulatórias ao redor do mundo.